sábado, 9 de outubro de 2010

Da pobreza e do gostar

“Ser pobre é compactuar com a perenização da pobreza”

Marcial Lima

Fonte: http://pedrocabralfilho.blog.uol.com.br/



Wagner Moura foi entrevistado no Roda Viva da TV Cultura. Lúcido, mostrou-se sintonizado com seu tempo. Isento de alumbramentos, fez-se ver consciente, na medida exata, de seu papel de artista, numa sociedade propensa à idolatria. Pés no chão, acautelou-se das propostas vindas de Los Angeles; convicto, não se prendeu à exclusividade com a Rede Globo. Transparente, assumiu seu papel político. Eleitor histórico do PT, disse que votaria em Marina, por não aceitar os tantos senões que contaminaram aquele partido. Assumindo o voto, analisou, sobriamente, o discurso, a prática e a história da candidata. Ao concluir, citou uma frase - atribuída a Brecht - mas que nos parece ser de Toynbee: “O maior castigo para quem não gosta de política é ser governado pelos que gostam”.

O engano é de somenos importância, pois frase creditada a Fernando Pessoa, encontra-se em Camões e, antes, era dito de velhos marinheiros. Observemos, ainda, que uma citação, descontextualizada, pode trair seu sentido original. Fiquemos, então, nos limites do Aurélio. Gostar: apreciar, sentir prazer, dedicar; dar-se bem, acomodar-se ou ser compatível com; aprovar, ter vocação ou jeito. No entanto, o que nos veio à mente diante da citação de Wagner Moura? Lembramo-nos do filósofo Pedro Demo em seu livro “Pobreza Política – a pobreza mais intensa da pobreza brasileira”. Para ele, pobreza não é, apenas, carência material; ser pobre não se limita a não ter, mas ser coibido de ter. Pobreza, em essência, vem a ser repressão, resultado da discriminação sobre o terreno das vantagens e oportunidades sociais.

Pobreza está na acomodação, na omissão, na carência de uma percepção maior, na indisposição para a luta, na limitação dos desejos, na naturalização das incoerências, na transferência de responsabilidades. “A pobreza é exacerbada em sociedades que concentram vantagens e oportunidades”. Não está só na fome: está na humilhação, na subserviência. “Pobre é quem faz a riqueza do outro, sem a ela ter acesso. Pobreza é, sobretudo, injustiça”.

Ousaremos, portanto, a somar com nosso conterrâneo de Passo de Camaragibe, sugerindo que gostar pode enveredar pelo significado de dedicar tempo de reflexão, acompanhar, discernir, questionar, agir contra ou a favor, problematizar. O gostar pode nos levar de encontro aos que confundem projetos de estado, com pura arenga pelo poder. Pode nos contrapor à endogenia de políticos que se limitam ao interesse pessoal ou de grupo. Gostar pode se traduzir em votos e ações do cotidiano que levem ao fechamento de portas aos vivaldinos, aos truculentos, aos arautos da “moralidade”.

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