quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Hoje não escrevo

    Carlos Drummond de Andrade



    Fonte: http://pedrocabralfilho.blog.uol.com.br/


    Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.

     Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.

     O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego - às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.

     Ah, você participa com palavras? Sua escrita - por hipótese - transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.

     Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incômodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhe os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.

     E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado de espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples par de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva. Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isso entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...

Então hoje não tem crônica.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Jambeiros ao chão


 Ivaldo Gomes


Escuto daqui,
Passivo, constrangido,
De coração dilacerado
Em tristeza e dor.

Um por um,
Todos os três,
Sangram ao som
Da esquizofrênica
Serra elétrica.

Não dão um gemido.
Só choram.
Escuto os soluços nas
Pancadas causadas,
Dos seus pedaços
Ao chão.

Um som surdo, abafado,
Como minha covardia.

Alguma dessas ‘construtoras do progresso humano’ está aqui, nesse instante, cortando os três últimos Jambeiros do Pará, no que já foi de uma granja vizinho aqui de casa. Assisto saudoso e impotente a ‘inciativa privada’ depredando o patrimônio público. Tem horas que acho que nós humanos somos um erro. Pra onde se mudarão todos os outros animais que sobreviviam desses Jambeiros?

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tambaú fede



        Ivaldo Gomes


        Não entendo como a PMJP quer atrair mais turistas pra João Pessoa e se esquece de mandar, pelo menos, lavar as calçadas de Tambaú. Pra quem não conhece João Pessoa, a praia de Tambaú é uma espécie de Copacabana aqui pra gente. É uma vitrine da cidade. Pois bem, no trecho que se estende do Edifício Borborema (já praia do Cabo Branco) até o Largo da Gameleira (já no início da praia de Manaíra) é de fazer nojo o estado das calçadas e pistas de rolamento. Faz muito, mais muito tempo, que aquelas áreas não vêm água a não ser das chuvas.
        Tudo que é festa é feito nessa área. Só que a limpeza ‘depois da festa’ é no máximo apanhar o lixo e varrer as ruas. Já a sujeira causada principalmente por líquidos, essa fica estampada na decoração das calçadas. Observe as manchas e a sujeira propriamente espalhada em toda a região. A Praça de Santo Antônio (ou praça de alimentação como queiram) é um exemplo de falta de limpeza. O mau cheiro exala por todas as ruas daquela artéria que fica em frente ao maior e mais badalado hotel da Paraíba, o Hotel Tambaú. Será que turismo combina mesmo com falta de higiene?
        O entorno do Hotel Tambaú então fede literalmente. Não entendo como nem a gerência do hotel manda fazer uma limpeza. Não custava nada mandar lavar as calçadas. Pois quem sabe assim a fedentina diminuísse. Isso também se estende a toda área reurbanizada como a feirinha de Tambaú e o Largo da Gameleira. Tudo anda sujo e mal cheiroso. Afora as dezenas de adultos morando nas ruas e dormindo em seus logradouros. Ao lado do ‘estacionamento particular em área pública’ do Hotel Tambaú, sobrevive uma ‘favela’ de barracas fedorentas de mendigos, ‘hippies’, malucos e alcóolatras que distribuem um bodum de espantar qualquer turista. Seja cristão ou não.
        Se for por falta de água e sabão, a PMJP bem que poderia solicitar uma ajuda dos moradores vizinhos ao problema. Pois está ficando cada vez mais difícil passear pela praia e não ser atingido por toda essa falta de higiene e limpeza. Não basta recolher o lixo e varrer as calçadas. Repito: isso é muito pouco. Tem que lavar os logradouros públicos e deixá-los em condição de uso. Já que a PMJP não providencia banheiros e chuveiros públicos nas praias principais de João Pessoa, pelo menos deveria mantê-las limpas. Fica difícil comer em um ambiente tão fedorento.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Maiores abandonados


       

         Ivaldo Gomes

         Tenho também como hábito, tal qual o nosso cronista e poeta inesquecível Luís Augusto Crispim, passeado por minha cidade a passos contemplativos. Sempre fui apaixonado por essa terra. Desde que a vi nos idos de 1975. De lá pra cá é um vai e vem sem fim. Há vinte anos caminho na companhia agradável e apaixonante de Ana Maria. Percorremos sempre os mesmos caminhos que é pra ter a certeza de que eles continuam lá. Mesmo com as interferências das administrações públicas eles continuam ali. E revisitamos todos sempre com a desculpa de que vamos passear por ai.

         Ao longo desses anos sempre notei pessoas vivendo nas ruas.
Literalmente nas ruas. Abandonadas por ausência crônica de políticas públicas de inclusão social. Claro que estão também abandonados de si próprios. O que não deixa de ser o pior dos abandonos. Pessoas que se dilaceram na miséria, pobreza e no vício, principalmente de álcool. Os vejo jogados nas calçadas de Tambaú, Manaíra, Bessa. Nas grandes avenidas como a Epitácio Pessoa ou Beira Rio. No centro da cidade então, os vemos nas praças e pátios de igrejas, em jardins e marquises de prédios públicos. Vivem ali, jogados e esquecidos de todos nós.  

         Penso que o Ministério Público deveria fazer alguma coisa. Cobrar urgência dos governos atuais, através de atitudes concretas para socorrer, tratar e reabilitar essas pessoas que se perderam de si e todos nós. Elas deveriam ser interditadas no seu direito de autodestruição. É uma questão de saúde pública. Um dever e uma obrigação do Estado. Na defesa da cidadania abandonada e esquecida por quem de direito: os governos e a sociedade que os mantém. Aqui no Bairro dos Bancários onde moro, ‘vive’ um grupo de homens e algumas mulheres, perambulando e morrendo à mingua pelas ruas do bairro. Acredito que nos outros bairros isso também esteja ocorrendo.

         É preciso que isso seja enfrentado de frente. Que seja criado programa público para tratá-los e depois encaminhá-los a alguma perspectiva de vida considerada humana. É de cortar o coração, ver, assistir impotente, a tanto abandono público e privado. Essa semana que passou, dois moradores de rua foram assassinados em João Pessoa e Campina Grande. Acredito que em outras cidades da Paraíba esteja acontecendo o mesmo. De tanto abandono, alguns se acham no direito de matá-los. ‘Não fará falta’! Acredita aqueles que nem coração deve possuir mais. 

         MAIORES ABANDONADOS. Um problema nosso.