sábado, 17 de agosto de 2013

Carta aos índios Kawahiva na divisa do Mato Grosso com o Amazonas.

Carta aos índios Kawahiva na divisa do Mato Grosso com o Amazonas.


Caros índios,

Pensei muito antes de escrever-lhe esta carta. Não sei como vocês vão lê-la, mas para desencargo de minha consciência resolvi escreve-la mesmo assim. De ante mão lhe faço logo um primeiro apê-lo: não queira conversa com a gente. Nos evite. É pro seu próprio bem. Com o contato conosco, vocês correm sérios riscos de deixarem de existir da forma como vocês entendem existir. Logo logo, vocês vão ficar parecidos - e nunca - iguais a gente. Mas serão cobrados como se a gente fosse. Mas se você mesmo assim, depois de ler essa carta, ainda sentir vontade de querer nos contactar, vou alertá-los de algumas coisas desde já.

Vocês não sabem o trabalho que dá de pedir pra bloquear um telefone celular. Logo logo vocês vão ter os smartsfones de vocês também. E quando vocês ligarem pra operadoras, vão perceber a falta de futuro que nossa espécie tem. No primeiro engarrafamento que vocês tiverem, desses em que sua Mercedes completa de tudo de $ 500 mil dólares, fica paradinha ao lado do fusca de seu Joaquim pintado a pincel, mas paradinho do mesmo jeito, com um calor infernal, meninos vendendo balas, água mineral e os sagrados engolidores de fogo, que mesmo a luz do meio dia insiste em fazer uma apresentação só e especial pra você, vocês vão começar a perceber a enrascada em que se meteram. Vocês não sabem da missa um terço.

Vão ter que tirar CPF. Um número imenso que toda vez que você esquece dele aparece alguém que lhe pede. E ai aconselho decorar logo o número pois vai facilitar sua vida daqui pra frente. Com ele vão poder checar tudo e mais um pouco da sua vida. Vão saber onde você vai, o que compra, porque compra, como paga, se paga e olhe, o imposto de renda quer todo ano uma declaração de sua renda. Mesmo sabendo de tudo já com antecedência. Sim, com o CPF você pode se inscrever no ISS, INSS, FGTS, PIS ou PASEP. Você escolhe de quem vai ser explorado.

No mas é pagar IPTU ou no caso de vocês, o imposto territorial rural. Se quiserem energia elétrica vão ter que pagar os olhos da cara. Só de ICMS vão pagar mais de 30% da conta. Tudo que você comprar, negociar, vender, tem imposto. Pois sem ele, os políticos (eu explico em outra carta) não conseguem fazer absolutamente nada do que eles já não fazem. Tem também a escola. Todo mundo vai ter que estudar português. Uma língua dificílima que por mais que você estude tem sempre aquela regra que você não sabia, mas que existe. Matemática, física, biologia, sociologia, filosofia e a disputa religiosa. Logo logo seu Deus será enquadrado. E você vai ter que rezar por alguma cartilha. Com ou sem 10% de dízimo.

Sim e a televisão que vocês vão ver. Meus Deus! Quando penso na confusão mental que ela vai fazer em vocês, só muito enredo de uma Janete Clair poderia descrever tamanho drama. Novelas então vocês vão ver logo que o dia amanhece. Começa com a 'Escola na TV', passa pelo Globo Rural, Bom Dia Mato Grosso/Amazonas/Brasil e já às 8 30 h da manhã, tem Ana Maria Braga e um louro falante chamado José. Vai passar o dia na maloca de papo pro ar só vendo novela e querendo comprar e imitar tudo que aparece lá. Imagine as curumins de piriguetes? Bom, se você chegou até aqui da carta, já demonstra que a tribo de vocês - ou o que vai restar dela - tem muita coragem. O que aqui na nossa selva de pedra não representa muito. Pois que tem mais coragem por aqui é quem morre primeiro.

Mas pensem bem. Pensem muito. Pois eu só vejo desvantagens pra vocês. Trocar essa vidinha a sossegada que vocês tem por ai, de piqui em piqui, de loca em loca, de margem de rio a margem de rio, por engarrafamentos, lixo e poluição. Com certeza não será um grande negócio. Mande pregar nas áreas circunvizinhas que vocês moram um aviso: Atenção: não queremos contato com vocês. Nem por telepatia'. Coloque essa placa que eles - nós - vamos entender a mensagem. Torço pra que vocês não nos encontre. Por longos e longos anos. Vivam em paz e que nós os deixem em paz. É tudo que desejo.

Um abraço,
Ivaldo Gomes 

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