domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um contador de histórias

                                                              
                                    Ivaldo Gomes


        Conheci José Bezerra Filho há pouco tempo. Sempre ouvi falar dele como o ‘cara que fez junto com Waldemar Solha o primeiro longa metragem da Paraíba, o filme: O salário da morte’. Que também só vim ver agora em janeiro de 2011. Falar de Zé Bezerra, como é mais conhecido, não é fácil. Justamente por ser ele uma pessoa muito simples, mas por suas múltiplas qualidades, fica difícil defini-lo em poucas palavras. É músico, escritor, poeta, cineasta, ator, diretor, autor teatral, excelente tenor e extremamente boa companhia. É de um humor perspicaz e de generosidade grandiosa.

        Acabo de ler o seu livro: O Decifrador de Sonhos. Onde ele conta em forma de ficção, a vida de sua família, de amigos e vizinhos num Bairro da Torre nas décadas de quarenta a sessenta do século passado. Uma história real, permeada de estórias engraçadas e causos dos mais variados. O que nos chama a atenção nessa leitura é o jeito de contá-la. De logo, percebemos que estamos na presença de um escritor do seu tempo, com uma linguagem própria e muito emotiva.

        Por vários momentos e em várias situações os olhos se enchem de lágrimas ao sabor da forma comovente em que ele descreve tanta injustiça, pobreza e miséria de uma família que espelha bem a realidade de uma Paraíba daquele tempo. Uma pobreza de posses materiais, cercada e embebida por pessoas riquíssimas de sentimento, amizade e solidariedade acima de tudo. Em todos os momentos da sua narrativa, a solidariedade humana é a moeda de troca de seus personagens.

        O Decifrador de Sonhos, título atribuído ao impagável personagem Zé Bode, que se descreve em personagem surreal, onde a ignorância é misturada à esperteza. Uma espécie de João Grilo consagrado na nossa literatura popular por Ariano Suassuna em seu Auto da Compadecida.  Zé Bode, além de decifrador de sonhos para fins de jogo de bicho, faz também o papel do ‘intelectual orgânico’ descrito por Antônio Gramsci. Seu Zé Bode sabe tudo e explica tudo, mesmo sem saber de muita coisa. Um talento enciclopédico forjado nas leituras das estampas que vinham nos sabonetes Eucalol ou dos Almanaques Capivarol de ‘conhecimentos gerais’ tão em moda naquele tempo.

        Mas o que mais me chamou a atenção foi o sentido humano, amoroso, solidário dos personagens. Que mesmo envolto na miséria não se comportaram como miseráveis. E o tempo todo, até por instinto de sobrevivência, dividiam o que não possuíam de material, mas que sobrava em sentimentos nobres de acolhimento e solidariedade. Com certeza estamos de frente de uma obra que merece ser lida por todos e adotada nas melhores salas onde a língua portuguesa é falada, dialogada, ouvida enquanto recurso de comunicação.

        De Zé Bezerra já me considero amigo. De sua literatura considero-me fã. Só espero que você também tenha a sorte de por a mão em alguns de seus escritos. Pois com certeza você vai se deparar com um universo rico de descrições, hilárias estórias e histórias, que ele sabe contar como ninguém. Tai um nome para compor a Academia Paraibana de Letras, hoje infestada de ‘imortais’ sem livros. O Decifrador de Sonhos é com certeza um momento ímpar da literatura paraibana.


O Decifrador de Sonhos – José Bezerra Filho (aracyq@yahoo.com.br) – Editado pela Taba Cultural Editora – Rio de Janeiro – 2009.

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