sexta-feira, 4 de março de 2011

O tempo e a luz



O texto “O tempo e a luz” publicado na contracapa do álbum “Verde que te quero ver”. Esse é um modo de tentar transmitir o meu sentimento ao fotografar. Esse sentimento foi revelado com muita intensidade pelo grande poeta pernambucano com o “Retrato poético de Reginaldo Marinho”.



RETRATO POÉTICO DE REGINALDO MARINHO

Jaci Bezerra


Dentro do olho da câmara
há outro olho aceso.
Esse olho, brasa e chama,
solto e desperto, inflama
o mundo e o deixa preso.

A mão, conduzindo a câmara,
é humana e terrestre,
está além da chama
que além do olho inflama
a luz de que se veste.

A câmara, na paisagem,
é instrumento do olho
e capta a luz selvagem,
ou mansa, da paisagem
nos mais íntimos refolhos.

E só se disparada
ao olho nu revela
a luz, brisa fisgada
de íntimas janelas;
não só precisa, bela.

O alfabeto do homem
é o mundo circundante;
a luz que o olho consome
para nutrir a fome
de um só e eterno instante.

Ao escrever com o vento
e com a luz madura,
não guarda o homem o intento
de transformar em invento
o que o olho procura.

Sempre é exata a paisagem
e precisa a criatura
nessa luz e linguagem
que o homem, na paisagem,
diariamente apura.

Sempre é eterna a imagem
que o homem captura;
rói, o tempo, a paisagem
porém não rói a imagem
pela câmara segura.



O tempo e a luz


Reginaldo Marinho


Ao cumprimentar um dileto amigo ele disse: Estou correndo contra o tempo. Fiquei pensando como alguém escolhe um adversário que existe desde o início de tudo e nunca terá fim, é uma escolha equivocada. Considero o tempo um aliado permanente. O tempo e a luz. Quem se dedica à fotografia cultiva a harmonia entre o tempo e a luz. Viver cada momento na cumplicidade da luz.

A sintonia com o tempo permite que o olhar esteja em permanente vigília, um modo budista de ver e sentir o universo que nos cerca. Sem essa dedicação ao tempo, nos perdemos em frações temporais e os momentos fugidios não esperam por você. Essa é uma necessidade pura. Quando cultivamos essa sintonia, vemos os fatos com mais clareza, tudo passa a ter um significado e cabe a cada um de nós a captura dessas imagens sem esforço, um gesto natural.

A luz, companheira sempre presente, dá beleza e relevo a tudo. Os objetos ganham definição, nitidez e cores. A própria etimologia sintetiza na fotografia a linguagem da luz. O tempo e a luz estão presentes em tudo e muitas vezes ninguém percebe. Você não age para o coração bater. Não se sente o coração pulsar em todos os momentos de nossas vidas. Tem gente que só descobre o coração tardiamente, na hora em que ele falha.

No exercício do magistério, quando lecionei geometria descritiva, encontrei o outro elemento complementar, a compreensão dimensional, o espaço. A régua e o compasso se uniram ao tempo e à luz formando um conjunto instrumental indissociável que subsidiam um simples gesto de fotografar, permitindo que você perceba através das imagens capturadas um mundo que não foi percebido antes. Uma imagem que expressa apenas aquele momento conjugado por esses fatores jamais será vista novamente, com aquela mesma dimensão. Um rio jamais será o mesmo rio, ele é único em cada instante, em cada espaço e tempo.

Esse é o compromisso do fotógrafo, traduzir a beleza aparentemente oculta nas formas, nas cores e na luz. Fotografar é um ato generoso que congrega grande prazer na fixação e compartilhamento dessas imagens.

E-mail:  Reginaldo Marinho | Construcell <RM@reginaldomarinho.com.br>




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