sábado, 2 de junho de 2012

Simplificando o Budismo para Leigos


por Félix Maranganha, segunda, 21 de Maio de 2012 às 12:14 ·

As pessoas confundem muito as bolas. Por estar em uma família evangélica, a primeira coisa que ocorreu aos meus parentes quando afirmei que me interessava pelo Budismo e que ia praticá-lo no dia-a-dia era que eu promoveria sacrifícios humanos, me tornaria monge, buscaria me abster de quase tudo e que passaria a adorar um "falso deus" chamado Buda. Outro amigo meu, do grupo que se reúne frequentemente aqui em João Pessoa, vem de uma família de esotéricos ligados à Rosacruz, que adoraram o fato de ele estar praticando o Budismo, mas a ideia que eles tinham do Budismo era totalmente diferente da que eu e esse amigo temos. Isso sem falar de que, entre os ateus, sou considerado um cara que segue o Budismo pela fé, porque acredito nele. O Budismo não exige uma fé, mas apenas uma prática. Daí, temos uma católica no grupo, que tem maior interesse na sua ética (assim como eu), e isso porque, no Catolicismo, um viver ético é exigido do fiel (apesar, é claro, de esse viver ético ser mais discurso e menos ação no Cristianismo).

Isso me lembrou o que um palestrante sobre o Design Inteligente disse tentando me replicar. Segundo ele, definir ou não a existência de Deus tem implicação direta sobre nossa visão de mundo e sobre nosso dia-a-dia.

Porém, mal sabem todos que o Budismo atrai ateus porque não se preocupa com divindades e, dependendo da escola, elas são até desnecessárias. Para o Budismo em geral, a existência ou não de uma divindade não tem implicação nenhuma sobre a prática do dia-a-dia. Também atrai muitos católicos, que prezam, inicialmente, por uma visão mais ética do mundo. Também atrai muitos esotéricos, estes mais interessados na ontologia e no misticismo. Porém, o Budismo não se resume ao Ateísmo Ocidental, não se resume à Ética Cristã, e não se resume à sua Ontologia Mística. Budismo é prática, é o viver diário, é algo que só se é quando se aplica no dia-a-dia. Se não há aplicação diária, não é Budismo.

Daí, muitos podem me perguntar: o que é o Budismo, em resumo? São 4 verdades, 8 caminhos, 3 jóias, 5 agregados e a aplicação de tudo isso cotidianamente. Mais que isso, é especificidade e cada escola budista, menos que isso, é outra coisa, mas não é Budismo.

Quatro (Nobres) Verdades:

1. A Natureza do Sofrimento (Dukkha): explica que o sofrimento é um estado de insatisfatoriedade com o mundo.
2. Origem do Sofrimento (Samudaya): explica que o sofrimento surge do desejo (ou da sede, insaciável).
3. Cessação do Sofrimento (Nirodha): o sofrimento pode ser eliminado.
4. O Caminho (Magga) para a Cessação do Sofrimento: há um meio pelo qual o sofrimento pode ser eliminado, que são os Oito Caminhos da Coerência propostos por Sidarta Gautama.


Os Oito Caminhos (da Coerência): não são obrigações, nem leis, mais "preceitos", caminhos que podem ser seguidos porque os mestres do passado atestaram sua maior eficiência, mas não significa que sejam os únicos caminhos.

1. Compreensão Coerente: as Quatro (Nobres) Verdades representam as coisas como elas realmente são para os seres sencientes,
2. Pensamento Coerente: o praticante deve desenvolver as qualidades da bondade, evitando a má vontade com os outros e evitando o desejo pelo prejuízo,
3. Fala Coerente: não mentir, não falar em vão, não usar palavras caluniosas, falar a verdade, ter uma fala construtiva, harmoniosa, conciliadora,
4. Ação Coerente:  o praticante deve promover a vida, praticar a generosidade e não causar o sofrimento através de práticas moralistas ou pela imposição de uma moral,
5. Meio de vida Coerente: o praticante deve compreender e respeitar o próprio corpo, olhar os outros com amor, compaixão, alegria e equanimidade, e na prática do dia-a-dia, praticar a generosidade, a ética, a paz, o esforço, a concentração e a sabedoria. Isso inclui também escolher uma profissão que não esteja em desacordo com os princípios,
6. Esforço Coerente: deve-se praticar autodisciplina (meditação, trabalho, rotina etc.)para obter a quietude e atenção da mente, de maneira a evitar estados de mente maléficos e desenvolver estados de mente sãos,
7. Atenção Coerente: o praticante deve desenvolver completa consciência de todas as ações do corpo, da fala e da mente para evitar atos insanos, através da contemplação da natureza verdadeira de todas as coisas,
8. Concentração Coerente: a partir da concentração, a mente entra em estado contemplativo e em seguida vem o Nirvana (= Estado de Libertação do Sofrimento).

As Três Jóias: o praticante, porém, pode não ter a obrigação, mas esse caminho óctuplo fica muito mais fácil se nos "refugiamos" (= associamos) a pelo menos três coisas.

1. O Buda: é ao mesmo tempo a figura histórica do Sakyamuni e a natureza de Buda que existe em cada um de nós, pronta para ser "acessada" pela Iluminação,
2. O Darma: são os ensinamentos de Sakyamuni, apresentados no Darmapada, e a aplicação diária desses ensinamentos,
3. A Sanga: é a comunidade budista, podendo ser uma Sanga Oficial, um templo, um grupo de reuniões e estudos, pois cada membro incentiva os demais a continuar sua própria busca.


Os Cinco Agregados: o Eu, do qual precisamos todos nos libertar, é formado por 5 agregados (5 conjuntos de elementos que se unem em um corpo difuso).

1. Forma material (rupa): toda matéria, o corpo e os demais objetos tangíveis são ilusórios;
2. Forma Sensitiva (vedana): o que recebemos do mundo pelos sentidos e pelos sentimentos é ilusório;
3. Forma Perceptiva (samjna): o que se produz da interação entre sentidos / sentimentos e o mundo é ilusório.
4. Forma Volitiva (samskara): ideias, formas de pensamento, vontade (boa, má ou neutra) que resulta em carma, concepções e ideias fixas e duais são ilusórias.
5. Forma Consciente (vijnana): é a soma de todos os 4 agregados anteriores, e é igualmente ilusório.

O Budismo, porém, apresenta um adicional. Ao entender e estudar tudo acima, sem pôr em prática, você se torna apenas um interessado, alguém que gosta das ideias, um erudito. Não adianta praticar seis horas de Zazen se, diante de uma greve de hospital que prejudica os pacientes e mata pessoas, você não lutar pelos mais precisam naquele momento. De nada adianta entender as Três Jóias e na saída do prédio ser chato e gritar com o porteiro. Muito menos adianta compreender a Ação Coerente e, no fim, maltratar um mendigo. O Budismo exige ação. Se você se diz budista e não põe nada disso em prática, você está enganando a si mesmo. Se você põe em prática, mesmo que nunca diga que é budista, estará realmente praticando o Budismo.

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