domingo, 25 de julho de 2010

Conhecimento é atributo da vida

Fonte: http://www.portalcorreio.com.br/jornalcorreio/matLer.asp?newsId=143774

A tecnologia está englobando a ciência de tal forma que o homem praticamente abandonou a sensibilidade e a busca por um entendimento completo de sua importância para o Planeta e para si próprio. O professor José Maria Tavares de Andrade, pós doutor em Epistemologia da Complexidade diz que economia e ecologia podem conviver juntas, pois têm a mesma origem grega “oikos”, que significa vida, casa e que o atual modelo civilizatório da humanidade é suicida. Ele defende a busca permanente pelo conhecimento, mas ressalta que a escola não salva e educação demais pode promover uma deformação, ao lembrar que a quantidade de pessoas diplomadas em Cuba não resolveu o problema de desenvolvimento do país. Atualmente vivendo na França, veio a João Pessoa para lançar o livro ‘Complexidade: Educação, Cultura e Civilização’, que escreveu com a mulher Valérie Bindel de Andrade. Globalização, Violência, Meio Ambiente e outros temas da atualidade foram abordados por ele nessa conversa.

A entrevista
- Como o senhor analisa a atual crise que atinge a Europa e que muitos atribuem à globalização?
- Precisamos entender uma primeira globalização, que seria a própria expansão da história da humanidade com a expansão dos pequenos grupos, que foram tomando o espaço habitável na superfície da terra. Pelo que se sabe o bicho homem nasceu na África e foi ocupando a superfície da terra. Com o descobrimento e a colonização do Novo Mundo houve uma segunda globalização e a Europa expandiu-se e desenvolveu-se graças ao subdesenvolvimento do resto do mundo.

- Cresceu a partir da exploração propriamente dita?
- Exploração dos recursos naturais, da mão-de-obra e o domínio econômico, político e da ciência e tecnologia. Por conta disso a Europa hoje paga um preço altíssimo. É um retorno da manivela, o preço que pagam os países europeus por conta do próprio custo de vida lá.

- Por quê?
- Porque a mão-de-obra é caríssima, o aluguel é altíssimo. As indústrias hoje escapam da Europa e produzem por 1/3 dos custos, inclusive, produtos agrícolas – e a própria autonomia alimentar dos europeus está comprometida.

- Apesar de todo investimento educacional na preparação dos europeus, na sua especialização profissional?
- Aí é que está a ilusão que vem do iluminismo: a escola não salva. A quantidade de pessoas diplomadas, com alto nível de conhecimento em Cuba, por exemplo, não resolve o problema do desenvolvimento. Na Europa, o operário precisa ganhar muito mais do que o chinês para sobreviver.

- Se a escola não salva, quem salva, já que a educação é a grande alternativa para a mobilidade social?
- A lógica do capitalismo é a concorrência. Como não tem espaço para todo mundo, eu vou tomar o seu espaço. Para tomá-lo é claro que é preciso competência, mas é um jogo bruto, que é jurídico e econômico na concorrência internacional.

- Como o senhor vê a educação nesse processo?
- Continua sendo fundamental, mas a educação é uma palavra muito ambígua. Ela é como se fosse algo sempre positivo e não é.

- Não?
- Não, porque a educação, ao mesmo tempo, significa uma “encucação”, uma lavagem cerebral, uma maneira de pensar. Você se educa bem ou mal e você, bem educado, pode significar deformação, ou seja, não aprender mais.

- O que pode haver de deformação?
- Um menino na escola recebe uma carga de informações, tem que cumprir determinadas obrigações para passar no fim do ano. Mas ele pode não aprender a aprender – e muitas vezes se aprende muito mais fora da escola do eu na escola.

- Ainda não entendi aonde o senhor quer chegar...
- Se a escola não conseguir canalizar a internet, a cultura, os movimentos, as motivações, o lazer, o pensamento, a crítica, a escola fica à parte. Me lembro da idéia iluminista que dizia que “quando se abre uma escola se fecha uma cadeia”. Mas só que os ladrões maiores estão fora da cadeia. São os de colarinho branco. Todos muito bem educados.

- Daí o aumento da violência, inclusive nos países mais desenvolvidos?
- Eu analiso a mudança recente da humanidade como um triângulo. Hoje em dia, dois extremos são um ângulo do coletivismo e o ângulo do individualismo. Para que exista menos violência, mais equilíbrio é preciso o terceiro ângulo que seja eqüidistante do coletivismo e do individualismo.

- O Estado não conseguiu isso?
- Não porque o Estado não consegue criar instituições. Quem cria novas instituições é a sociedade civil. O governo Lula, por exemplo, ajudou muito a pobreza é verdade, mas não ensina as pessoas a serem autônomas.

- Mas não seria o passo seguinte?
- Não. Se começa errado, vicia o cidadão como a esmola. Lula está imitando os erros dos países ricos. Na Europa, muita gente não quer trabalhar, porque faz três filhos e o governo sustenta. E aqui a expansão demográfica está exagerada por conta dessa “ajuda” , as bolsas. Então, a educação tem que dar autonomia ao indivíduo para que seja considerada positiva.

- E a tecnologia, a informática, a internet, como se encaixam nesse cenário?
- A informática é outro fator muito grande de destruição das instituições tradicionais, porque pela informática você passa a pensar binário. E muita gente não consegue mais se comunicar se você fugir desse pensamento.

- Que exemplo o senhor citaria para explicar melhor esse pensamento binário?
- Fui ao Bairro dos Estados para comprar dois cartuchos de impressora e duas resmas de papel. O cara foi usar o computador para fazer o cálculo. Perguntei se era para controle de estoque, ele disseque era apenas para me dar o troco. Eu já tinha feito a conta de cabeça e entreguei o dinheiro para ele já facilitado o troco. Eu, então, perguntei: você tem memória? Ele respondeu com outra pergunta se seria HD, a memória ddr. Eu repliquei: essa memória que o senhor está me falando é a do patrão. Eu quero saber é a sua memória, porque você não fez essa conta de cabeça e me fez esperar enquanto liga a máquina.

- Acaba se iludindo com uma suposta velocidade da máquina?
- Está se burrificando. O pensamento complexo é exatamente tentar articular aquilo que a ciência e a tecnologia desarticularam do homem.

- Mas essa não é a constatação de uma marcha inexorável, que atingiu todas as ciências, inclusive a medicina, onde hoje se depende de exames sofisticadíssimos para se diagnosticar uma apendicite?
- É o modo de pensar, de conhecer? Edmar Morin, quando fala no pensamento complexo e na reforma do pensamento é, exatamente, para que essa marcha não seja irreversível. Temos que fazer um percurso para tentar conciliar essa dicotomia que está se criando no espírito da humanidade. A ciência dividiu o mundo e o homem em pedaços e o pensamento complexo tenta rearticular.

- O que é essa filosofia do pensamento complexo de Edgar Morin que o senhor já se referiu varias vezes nessa conversa?
- Do ponto de vista etimológico é aquilo que é tecido conjuntamente. Você está tendo um pensamento complexo, mesmo que não se atribua a isso na hora em que você contesta essa dependência de um diagnóstico de máquina, de indicadores totalmente outros ao organismo.
- E o pensamento que se opõe ao complexo, o binário, que é o que as máquinas entendem e que predomina hoje?
- É a luz acesa ou apagada no interruptor. É muito bom para as máquinas, mas eu não penso desse jeito. O cérebro humano não funciona dessa maneira. O homem não pode ser visto como um circuito elétrico de seu cérebro.

- Trazendo a discussão para um tema atual, a internet como é vista pelo pensamento complexo?
- A internet é uma inteligência da máquina e é uma projeção sobre a máquina da inteligência humana. A internet tem grandes potencialidades, mas tem a ambigüidade com relação ao bem e ao mal. Informação de mais endoida e de menos abestalha. Daí a importância da leitura. A internet pode colaborar na participação, como fez Obama que acionou a humanidade através da internet e ganhou gastando muito menos que a oposição.

- Mas a importância da internet hoje não é mais discutível, uma vez que ela se mostrou fundamental para o homem, pelo menos como ferramenta de comunicação?
-É um fator que poderia ser muito mais importante na construção da humanidade, mas que está sendo utilizado muito mais na transferência de dinheiro – circuito econômico internacional – e no circuito da droga, da espionagem e da pedofilia.

- Volta tudo a uma questão de princípios?
- É isso aí que a gente não sabe mais. A própria lei está desatualizada em relação aos crimes na internet. Um garoto entra no Pentágono, no Exército e através de pequenos recursos e de sua competência num computador doméstico pode cometer crimes e até provocar um desastre financeiro internacional.

- A internet não seria um retrato completo do pensamento complexo?
- Não necessariamente. Para a gente entender o pensamento complexo, a idéia do tecido é fundamental, mas o pensamento complexo tem que articular aquilo que está separado e a informática separa o que está articulado. Você pode usar a informática se tem o espírito crítico,. não para copiar/colar.

- O problema continua sendo a capacidade de selecionar, a escolha pela qualidade?
- Informação de mais não dá. A questão não é a quantidade, porque está tudo aí de graça na internet. A questão é o senso crítico, como utilizar, o senso crítico. E isso é educação no sentido positivo.

- E a questão econômica como se insere nesse contexto?
- Lula está imitando os Estados Unidos, o modelo que não deu certo. Fala-se hoje em decrescimento. A China está tentando diminuir o crescimento par anão estourar. O decrescimento seria diminuir a quantidade de consumo de energia, porque ensinaram pra gente que esses recursos são infinitos e eles não são.

- O que se deve fazer, então diante de tantos desafios econômicos que o Brasil enfrenta para continuar se desenvolvendo?
- O importante é a gente imaginar a economia como um ser vivo. Estamos vivendo dos minerais, que não se repõem. A verdade é que podemos viver muito melhor gastando uma quantidade menor de matéria prima e energia.

- Como conciliar geração de energia, crescimento, extração de recursos minerais e a questão de ordem do momento que é a preservação ecológica?
- Às vezes, se exagera na questão ecológica, com a bandeira verde. Hoje tudo é verde, tudo é bio, é ecológico. Temos que ter um senso crítico. Temos que ter um pensamento equilibrado contra o excesso do consumismo Não se pode ter carregador de celular com tipos de entrada diferentes. Na Europa vai ser só um tipo, comum a todos. Já imaginou quanto se gasta para produzir um carregador e diferenciá-lo dos outros só pelo plug? Tem que se racional.

- Ecologia e economia combinam?
- A uma tendência de se passar da ecologia para a economia. As duas palavras vêm do grego “oikos”, a vida, a casa. Então, a casa da humanidade está à deriva com esse modelo econômico, porque não temos para onde ir. Estamos imitando um modelo de civilização suicida. Esse modelo não resolveu o problema de ninguém, nem nos Estados Unidos nem na Europa.

- A saída é a procura permanente pelo conhecimento?
- Conhece significa viver. O conhecimento é um atributo da vida. A vida conhece para se manter e a gente não sabe o que é a vida. Antigamente a teologia dizia que o conhecimento é um atributo de Deus e o homem se aproxima de Deus para conhecer. Hoje em dia essa visão está totalmente deformada. E um dos fatores é a questão de se separar “A” é causa de “B”. Você foi quem disse. E “A” não é causado não?

-Como conciliar tecnologia, ciência, filosofia? Consumo, eficiência e explicações existenciais?
- Não existe ciência sem tecnologia. A ciência já está englobada. Tudo isso é meio. Quando se visa resultados, isso faz com que se confunda resultados com os fins. Qual o objetivo do homem na Terra? Veio de onde e para onde vai? A tecnologia não elabora a finalidade. Perdeu-se de vista quais são os objetivos da civilização, que só tem meios tecnológicos. Os fins são: a democracia, a fraternidade, a igualdade.
Luiz Carlos Sousa

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