domingo, 22 de agosto de 2010

A ABLC, o cordel e a cultura popular

Ivaldo Gomes


Fui assistir ontem, dia 21 de agosto, a plenária da Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC, que se realizou no Teatro Paulo Pontes aqui em João Pessoa. Pra mim foi um momento importante porque revi o que de melhor existe hoje na Paraíba e no Nordeste em termos de literatura de cordel, repente e poesia popular. Dizer que por diversos momentos fui às lágrimas, com emocionantes improvisos e saudações acadêmicas seria pouco. Confesso que não sou muito fã de academias, mas a ABLC chamou-me a atenção e gostei muito do que vi e vivi ontem à tarde no Espaço Cultural. Quem não pode comparecer aquele ato literário, em um sábado de chuva, perdeu a oportunidade de emocionar-se com o que ali aconteceu.

Essa plenária foi para empossar mais três membros efetivos em seu quadro social. O folclorista, poeta, cordelista João Dantas, o rabequeiro, poeta, cordelista Beto Brito e o poeta, cordelista, pesquisador José Walter Pires. Todos três expoentes em suas áreas de trabalho. Emocionante foi ouvir a saudação de improviso do Rei do Repente Oliveira de Panelas, a saudar o artista popular Beto Brito. Oliveira de Panelas - em seus cinqüenta anos de trabalho ininterrupto - é com certeza o maior repentista vivo desse país. Com todo o respeito e o reconhecimento que tenho por todos os outros. Emocionante todas as saudações. Foi uma tertúlia literária movida a base de muita emoção. A presença de Moraes Moreira, Neumane Pinto, Jessier Quirino, Marco di Aurélio, Glorinha Gadelha, Manoel Monteiro e várias outras personalidades de destaque na plateia, acrescentou ao recinto uma qualidade indiscutível.

Depois de empossados os novos imortais da ABLC, prestou-se uma justa homenagem a outros artistas, poetas, escritores, jornalistas, músicos, que dão relevo e destaque a cultura nordestina e em especial a paraibana. Marco di Aurélio, Moraes Moreira, Neumane Pinto, Jessier Quirino, Oliveira de Panelas, Evandro da Nóbrega, Os Nonatos, Chico César, Vital Farias e Bráulio Tavares, foram agraciados com a medalha comemorativa dos vinte e dois anos de fundação da ABLC. Como você pode ver à tarde ontem foi de festa e que festa. Pois pela primeira vez fui a uma reunião de academia e gostei. Pois o ritual, a formalidade, de tais ocasiões, termina por ser muito maçantes. Coisa pra só acadêmico agüentar. O que não é bem o meu caso.

Mas a reunião comemorativa serviu também para perceber, pelos depoimentos e explanações do que se têm feito na ABLC, que existe um avanço na estratégia de organização da Literatura de Cordel no Brasil. E é graças à tenacidade e perseverança da ABLC, que tendo a frente o presidente Gonçalo, conseguiu de fato e de direito organizar essa área da cultura brasileira. E que, diga-se de passagem, possui uma importância ímpar para a formação literária de todo o nosso povo. Principalmente de nós nordestinos. Literatura de cordel e feira no nordeste brasileiro são símbolos e distinção de nossa cultura. Toda nossa vida teve no advento da feira – o encontro social semanal – o local privilegiado, onde as relações sociais se celebram e se expandem. E na feira, a literatura de cordel, registrou para a posteridade todo um-que-fazer cultural de nosso povo.

Fico feliz quando vejo tanta gente importante da nossa cultura reunida para saudar aqueles que merecem nosso respeito, carinho e admiração. Reconhecimento. Pois é isso que esses grandes mestres da cultura popular precisam da parte da gente. Principalmente dos órgãos culturais oficiais ou não. E aqui meu apelo veemente por uma política publica que confira a cultura popular seu lugar de destaque. Pois a ela é atribuída tudo que foi construído até os nossos dias. É dela a raiz maior e mais significativa de nossa cultura. Para que chegássemos a Rui Barbosa, José de Alencar, Graciliano Ramos, Zé Lins do Rego, Augusto dos Anjos, Gonçalves Dias, Euclides da Cunha, Carlos Drummond de Andrade, Ascenço Ferreira, Raquel de Queiroz, Cecília Meireles, Nélida Piñon, Hilda Hilst, Cora Coralina, só para ficarmos em alguns importantes para nossa formação cultural, tivemos que passar primeiro pelos grandes artistas da cultura popular.

Portanto, é preciso que as Secretarias de Cultura, das várias instâncias governamentais, desenvolvam linhas de pesquisas e de trabalho, na catalogação, no apoio a produção e na sua difusão, sob qualquer meio, dos artistas e das obras de cultura popular por esse país afora. A Paraíba – celeiro de grandes artistas – precisa trabalhar melhor suas obrigações com toda essa área da cultura popular. Não é atoa que o maior de todos os cordelistas - considerado o pai do cordel brasileiro - seja o paraibano de Pombal, Leandro Gomes de Barros. E eu lhes pergunto: Leandro Gomes de Barros está nas salas de aulas da Paraíba? Está e não está. Está pelo esforço de homens como o poeta e cordelista Manoel Monteiro. Mas não está por falta de apoio governamental para tal.

A cultura popular brasileira e especialmente a nordestina, pela sua grande riqueza, precisa cada vez mais de reconhecimento, divulgação e apoio. Precisamos fazer como o Ministério da Cultura vem fazendo, abrindo e reabrindo editais onde a cultura popular é de fato uma prioridade. Mas isso precisa ser extensivo também aos governos estaduais e municipais. Pois esse é um esforço de todos. Pois um povo que não preserva sua cultura, fica sem. E sem sua cultura, principalmente de sua cultura mais legítima - a cultura popular - pode até ser considerado um povo. Mas um povo em franca descaracterização e que poderá no futuro servir apenas como ‘massa de manobra’ para culturas alheias a nossa formação. Cuidar da cultura popular como faz a ABLC e o MINC são garantias de que no futuro existiremos como povo, nação e raça. Com identidade, rumo na vida e na história. Fui muito feliz ontem à tarde. Obrigado a ABLC pelo convite.

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